A linguagem é um código
simbólico através do qual mensagens são transmitidas e entendidas, informações
são decodificadas e classificadas e eventos são anunciados e interpretados, e a
Cultura é o conjunto de ações:
maneira de vestir-se, escolha de alimentos e modos de comê-los, enfim, todos os
modos, hábitos, pensamentos e crenças. Todas as maneiras de atuar que formam os
costumes, o contexto, o cenário. Assim como a linguagem, a cultura
é um código simbólico através do qual mensagens são transmitidas e
interpretadas. Entretanto, mais do que um código, a cultura
é um cenário de composições e de orientações para o mundo embalado em símbolos
e formas simbólicas. Por tudo isso, ao pensar em fazer um trabalho de tradução,
o tradutor não deve levar em conta, somente a transcodificação da palavra, a equivalência de significado, mas
sim, deve levar em conta os sentidos do autor, o contexto, o cenário a ser
traduzido. Sem agir assim, este profissional estará saltando a conclusões sobre
sentidos e significados do autor, fazendo interpretações errôneas, de acordo
com seus próprios valores, ou seja, de acordo com seus próprios sentidos, seus
pontos de vista.
A cultura
de um povo forma o seu mundo. Estes mundos variam no estilo de construção, em
sua operação e manutenção, nas entidades que os preenchem, decoram e obstruem.
Variam também em categorias e classes que estes mundos permitem serem classificados.
A base de qualquer código cultural é um sistema ideológico através do
qual o mundo é definido, descrito e entendido.
Neste artigo, acreditamos que
a concepção da natureza, da realidade, de seu funcionamento e constituição que
um povo adota interfere em sua vida cotidiana porque molda sua orientação de valor, o seu código de costumes e suas
estruturas classificatórias.
Os sentidos que levam ao
significado revelado por uma cultura
são construídos socialmente e, para a compreensão da construção de sentido,
seja na interpretação de contexto e cenários formados por pessoas e costumes da
nossa própria cultura, ou de contextos e cenários de
culturas e línguas diversas, torna-se
necessário, inicialmente, aclarar o que entendemos por língua e cultura e a relação entre uma e
outra. Porquanto, sabe-se que no
panorama da tradução os dois conceitos convivem lado a lado, mas tanto um quanto
outro, conduzem a uma visão unilateral do todo, como afirma Witherspoon
(1980:2) com clareza: “Se observarmos a cultura
do ponto de vista linguístico, obtemos uma perspectiva unilateral da cultura;
se observarmos a língua do ponto de
vista cultural, obtemos uma visão unilateral da língua /400.
Susan Bassnett (1991)
reafirma este ponto de vista e esclarece:
A
língua, então, é o coração dentro do corpo da cultura,
e é da interação entre as duas que resulta a continuação da energia-vital. Assim, da mesma forma que o
cirurgião, operando o coração, não pode negligenciar o corpo que o envolve, o
tradutor que trata o texto em isolamento da cultura,
esta com seu texto em perigo /5. (In: Bassnett, 1991:14)
Observa-se, então que uma língua é algo social, histórico,
determinado por condições específicas de uma sociedade e de uma cultura e
assim, entende-se que, no processo de tradução, o tradutor deve levar em conta
os fatores culturais e lembrar que a palavra só tem sentido em um contexto que
se especializa neste determinado cenário.
Do ponto de vista da prática
de tradução, a cultura é, num sentido mais lato, o
lugar do conhecimento intersubjetivo que permite atualizar, cada vez com mais
eficácia, uma relação de equivalência interlingual.
A cultura permite intuir, reconhecer, experimentar ou
investigar os hábitos linguísticos e extralinguísticos, as idiossincrasias e os
mecanismos inconscientes que podem estar por detrás da produção e recepção do
texto de partida e do texto de chegada.
Este lugar de operacionalidade é componente insubstituível da competência do
tradutor.
Num sentido mais restrito, a cultura
aparece-nos também como um contexto que permite, face à plurissignificação e à conotação, selecionar alternativas translatórias nos casos em que o contexto
linguístico e o contexto situacional nada podem fazer, especialmente ao nível
das conotações e do efeito, onde constantemente se atualizam horizontes de
expectativa ideológica, lógica, emocional e textual. Em ambos os casos, do
ponto de vista da prática da tradução, a
cultura
manifesta-se sempre como espaço de interculturalidade e intersubjectividade,
como espaço de busca do outro, da alteridade perdida ou recalcada.
Esta ideia também já vem de
um tratado de Umberto Eco sobre semiótica, onde se diz “[...] que a cultura, como um todo, é um fenômeno de significação e
comunicação e que humanidade e sociedade só existem a partir do momento em que
se estabelecem relações de significação e processos de comunicação”
(Eco,1975: 36). É verdade que estas relações e estes processos não se esgotam na
língua, mas na tradução passam sempre por ela.
Quando falamos de cultura
em tradução estamos falando de relações de significação e processos de
comunicação que envolve duas línguas, e às vezes mais, como no caso das citações em
língua terceira, dos empréstimos e dos estrangeirismos. Cada uma com as suas
peculiaridades e hábitos diversificados, cada uma contemplando variantes
pessoais, grupais ou regionais e, às vezes, nacionais. Cada uma com inúmeros
componentes da descrição linguística a ter em conta, todas significantes. Cada
componente potencialmente caracterizada pela plurissignificação ou pela extensão do significado /6.
Segundo Susan Bassnett
(1991), Roman Jakobson distingue em seu artigo “On Linguistic Aspects of Translation”, três tipos de tradução /7:
(1) Tradução Intralingual ou reformulada (uma interpretação de sinais
verbais por meio de outros sinais na mesma língua).
(2) Tradução Interlingual ou tradução adequada (uma interpretação de
sinais verbais por meio de alguma outra língua).
(3) Tradução Intersemiótica ou transmutação (uma interpretação de sinais
verbais por meio de significados de sinais não verbais).
Tendo estabelecido estes três
tipos, dos quais (2) tradução adequada descreve o processo de transferência de
SL /9 até TL /10. Jakobson vai imediatamente ao ponto centra do problema em
todos os tipos: enquanto mensagens podem servir como interpretações adequadas
das unidades de código ou mensagens, não existe ordinariamente nenhuma equivalência
completa à tradução.
Até a aparente sinonímia não
produz equivalência, e Jakobson mostra como a tradução intralingual frequentemente
tem de optar pela combinação de unidades de um código para interpretar
completamente o significado de uma única unidade. Consequentemente um dicionário
dos chamados sinônimos pode dar perfeito como sinônimo de ideal ou veículo como
sinônimo de transporte, mas em nenhum destes casos, podemos dizer que haja
equivalência completa, desde que cada unidade contém em seu interior um conjunto
de associações e conotações intransferíveis. A equivalência completa (no
sentido de sinonímia ou igualdade) não acontece em nenhuma das categorias. (In
Susan Bassnett, 1991: 15).
Assim, quando se procura a
equivalência, passa-se a ler a cultura,
no sentido restrito, como estratégia de desambiguação, com vista à construção
dos sentidos e atualização do significado e obtém-se a certeza de que uma tradução
só terá sucesso, como foi dito anteriormente, com o necessário conhecimento da
língua pelo autor e com seu envolvimento cultural, tanto com a cultura
do autor quanto com a cultura
de sua audiência.
Vê-se então que, um dos
grandes problemas do processo de tradução advém do sentido culturalmente
construído pelo autor do texto. Construção do sentido que leva ao fenômeno da
plurissignificação, isto é, a característica de uma mesma unidade (palavra ou
expressão) poder ter mais que um significado, por vezes mesmo significados
contraditórios ou antagônicos. Fato que leva-nos à imediata percepção ao
folhearmos um dicionário, cujas entradas, por vezes de páginas, apresentam as
várias alternativas de significado (ou extensões do significado). Ora nos casos
de plurissignificação, a seleção do
significado faz-se através do contexto.
Pode-se dizer, então, que um
tradutor que não se envolve com a cultura terá dificuldades em desempenhar o
seu papel. Como observamos em Umberto Eco (1975: 75):
A cultura
não é só o primeiro passo para se ser humano, isto é, para se poder
valorizar a humanidade, como também, enquanto exercício de intersubjectividade, o primeiro passo
para a aprendizagem da democracia, isto é para dar voz ao outro, mesmo quando
ela não ressoa a nossa. Para se ser universal
ou inclusivo, isto é, para não excluir, só falta exercitar a empatia, que é a
capacidade de se pôr no lugar do outro, constantemente /11.
Chega-se assim, a assertiva
de que é com o envolvimento do tradutor com a cultura
de partida e de chegada que está em jogo a sua competência. A definição de cultura,
adiantada anteriormente, traduz-se como a totalidade das
formas espirituais / intelectuais (ciência, arte, ética religião, educação,
língua), sociais (política, sociedade) e materiais (técnica, economia) que são veículo de manifestação
da vida humana, e assim, podemos enumerar, sem dúvida, os campos do saber que, no espaço e no
tempo, o tradutor tem de estar preparado para acionar. Porquanto, tendo
consciência da pouca utilidade dos dicionários bilingues para o trabalho de tradução,
é certo que, para a construção de sentidos em seu trabalho é necessário que o tradutor
use diferentes modos que o levem a significações da cultura
do outro. Com este objetivo, seria interessante que o tradutor procurasse por
leituras constantes e variadas sobre a cultura
do autor; por experiência vivida na cultura
a ser traduzida, direta ou indiretamente; pela intuição; pela memória de informações
adquiridas; contanto com a capacidade de adaptação aos modelos dos outros pelo
princípio da semelhança, com a capacidade de investigação e sem dúvida, com a
vigilância e o desenvolvimento da própria capacidade crítica.
4 If we look at culture from a
linguistic point of view, we get a one-sided view of culture. If we look at language
from a cultural point of view, we get a onesided view of language. (In:
Witherspoon, 1980:2)
5 Language, then, is the heart
within the body of culture, and it is the interaction between the two results in
the continuation of life-energy. In the same way that the surgeon, operating on
the heart, cannot neglect the body that surrounds it, so the translator treats
the txt in isolation from the culture at his peril.( In: Bassnett 1991:14)
6 A maioria dos dicionários não apresenta a significação da palavra, mas
dá uma descrição das propriedades do seu referente, o que se pode chamar com mais
precisão de extensão do significado. Cf.
Ferrarezi Júnior, 2003:69.
7 (1) Intralingual translation or
rewording (an interpretation of verbal signs by means of other signs in the
same language). (2) Interlingual translation or translation proper (an
interpretation of verbal signs by means of some other language). (3) Intersemiotic
translation or transmutation (an interpretation of verbal signs by means of signs
of nonverbal sign systems).( In Susan Bassnett, 1991: 14)
8 Having established these three
types, of which (2) translation proper describes the process of transfer from
SL to TL. Jakobson describes goes on immediately to pint to central problem in
all types: that while messages may serve as adequate interpretations of code
units or messages, there is ordinarily no full equivalence through translation.
Even apparent synonymy does not yield equivalence, and Jakobson shows how
intralingual translation often to resort to a combination of code units in
order to fully interpret the meaning of single unit. Hence a dictionary of
so-called synonyms may give perfect as a synonym for ideal or vehicle as a
synonym for conveyance but in neither case can there be said to be complete
equivalence, since each unit contains within itself a set of non-transferable
associations and connotations. Because complete equivalence (in the sense of
synonymy or sameness) cannot take place in any of his categories. (In Susan
Bassnett, 1991: 15)
9 SL Source Language. (Língua pesquisada do texto original)
10 TL Target Language. (Língua do
público alvo)
11 The culture is not alone the
first step for if human being, that is, to can valorize the humanity, as well as,
while intersubjectividade exercise, the first step for the learning of the
democracy, that is to give voice to another, even when she does not resound
ours. To whether be universal or inclusive, that is, to do not exclude, alone
fault exercise the empathy, which is the capacity of if put in place of
another, constantly. (In: Eco, 1975: 75)
Klondy L. de O.
Agra.
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